Ciência, Tecnologia e os Movimentos Open
Assim como na computação tivemos os movimentos de código aberto e software livre, na ciência temos os movimentos open access e open science. Vamos entender um pouco o contexto do surgimento desses movimentos.
A maior parte das pesquisas são realizadas com financiamento público, logo é de se esperar que ao término haja a divulgação e compartilhamento dos resultados obtidos. Esses resultados costumam ser divulgados em periódicos científicos revisados por pares. Contudo, a maior parte dos periódicos científicos de maior relevância são gerenciados por editoras privadas que restringem o acesso a assinantes e/ou oferecem a compra individual de acesso aos artigos.
Para que seus pesquisadores tenham acesso a essas publicações, muitas universidades e instituições públicas compram assinaturas de uso coletivo pagando cifras milionárias para tal. A margem de lucro da Elsevier, por exemplo, atingiu em 2018 a marca de 37% segundo relatório financeiro da própria empresa, maior do que a Apple em seu ápice de 27% em 2012.
Diante desse cenário, fica evidente a incoerência das editoras em explorar financeiramente esses artigos, fruto de pesquisas financiadas na maior parte com recursos públicos. Essa foi a luta do americano Aaron Swartz, hackativista, criador do feed RSS, do Markdown e da rede social Reddit, o ativista deixou clara sua indignação ao publicar o seu manifesto “The Guerilla Open Access Manifesto” (2008), no qual expõe a situação e convoca a sociedade a se rebelar contra esse sistema e inclusive a baixar e distribuir os artigos nas redes.
Em 2010 e 2011, ele mesmo o fez utilizando as redes do MIT para baixar os artigos da JSTOR, mas logo foi preso. A grande contradição foi a própria JSTOR se negar prestar queixas contra Aaron, momento em que o próprio governo dos EUA daria seguimento às acusações por meio de sua procuradoria (JSTOR, 2013). O episódio terminou em tragédia com o suicídio de Swartz, aos 26 anos, em 11 de Janeiro de 2013.
Em Novembro de 2021, a UNESCO publica um documento em recomendando a adoção da ciência aberta (UNESCO, 2021). Neste, ela define ciência aberta como:
[..] movimentos e práticas que têm o objetivo de disponibilizar abertamente conhecimento científico multilíngue, torná-lo acessível e reutilizável para todos, aumentar as colaborações científicas e o compartilhamento de informações para o benefício da ciência e da sociedade, e abrir os processos de criação, avaliação e comunicação do conhecimento científico a atores da sociedade, além da comunidade científica tradicional.
A UNESCO ainda incentiva a abertura de todo o método e processo das pesquisas, com abertura de:
- Publicações científicas
- Dados
- Recursos educacionais
- Softwares e códigos-fonte abertos
- Hardware aberto
Assim como o movimento código aberto ressaltou as qualidades e vantagens da abertura do código-fonte, não é difícil imaginar as inúmeras vantagens ou até mesmo o quão contraditório para a própria ciência é não adotar a ciência aberta:
- Reprodutibilidade: um dos pilares fundamentais do método científico, ao não dar publicidade ou restringir o acesso aos resultados da pesquisa, aos dados, aos códigos, aos métodos utilizados, ou ainda utilizar ferramentas não abertas criam-se barreiras para a reprodutibilidade além da própria adoção e aplicação dos conhecimentos desenvolvidos.
- Confiabilidade: a abertura dos dados significa abertura às críticas, à reprodução e aplicação da pesquisa, deixando-a sujeita a ser testada e replicada abertamente.
- Desenvolvimento científico e tecnológico: maior capacidade de compartilhamento, reutilização e integração de informações, o que é essencial para o progresso científico e tecnológico.
A importância e necessidade de adotarmos a ciência aberta ficou ainda mais evidente frente ao quadro da pandemia da COVID-19, visto que a própria Elsevier abriu o acesso a todos os artigos científicos publicados acerca do tema. O momento demonstrou como foi essencial o compartilhamento de informações para a rápida adoção de medidas de prevenção e controle, o tratamento adequado dos pacientes e para o desenvolvimento de vacinas. Em um curto período de tempo, o compartilhamento de publicações científicas, bem como dados sobre a doença disponibilizados pelas organizações públicas de saúde foi crucial para o enfrentamento da crise sanitária, crise a qual poderia até mesmo ter sido evitada com uma ciência mais aberta e integrada às políticas públicas.
Referências:
(45) O Menino da Internet: a História de Aaron Swartz - YouTube
FIX, BLAIR. The Legacy of Aaron Swartz: The Fight for Open Access – Capital As Power, 2019
JSTOR, JSTOR Evidence in United States vs. Aaron Swartz, 2011.
UNESCO, Recomendação da UNESCO sobre Ciência, 2021
Projeto Institucional: divulgação e engajamento no desenvolvimento para softwares livres.
Prof. Caio Hamamura.
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